Entrevistas Paulo Bastos - Mestrado

Entrevista – Nuno Cristo – 04/04/2018

NOME: Nuno Cristo

MORADA: Toronto, Ontario, Canada

NATURALIDADE: Lisboa

 

Que modelo(s) de cavaquinho toca/estuda? que afinações?

Toco o chamado “cavaquinho minhoto” com a afinação “e B A d”.

Tenho também estudado um pouco o “machete / braguinha” no contexto burguês oitocentista através de tablaturas disponíveis.

 

Há quanto tempo toca/estuda o cavaquinho? Como é que tudo começou? (pequena biografia no que diz respeito/orientada ao cavaquinho)

O meu primeiro contacto com o cavaquinho terá sido através das músicas de José Afonso em que Júlio Pereira executava o pequeno tetracórdio minhoto nos finais dos 1970.

Quando em 1981 surge o disco histórico, Cavaquinho de Júlio Pereira, comecei a desvendar os segredos da sua técnica peculiar, o rasgado melódico.

 

O que o fascina no cavaquinho português particularmente? O que o faz apreciar e escolher o instrumento como objeto de estudo ou para se exprimir artisticamente?

O que me atrai no “cavaquinho minhoto” é o som produzido através da técnica específica que possibilita ritmo, harmonia e melodia em simultâneo.

 

Quais as suas referências e influenças musicais mais importantes na abordagem ao cavaquinho? E qual a sua importância?

O trabalho de Júlio Pereira, e a adaptação de música tradicional / popular.  Júlio Pereira tem toda a importância pois foi quem me mostrou as possibilidades do “cavaquinho minhoto”.

 

Que outros instrumentistas/tocadores solistas de cavaquinho conhece que considera relevantes?

(Entenda-se como solista o instrumentista SOLISTA que faz um concerto do inicio ao fim em que o Cavaquinho é o ponto central/solista ou o instrumentista que tenha editado/gravado um ou mais CDs em que o cavaquinho é o ponto central/solista em todas as músicas ou quase na totalidade delas (quando se refere ponto central/solista pretende-se dizer instrumento que toca a solo sozinho ou que tocando em grupo faz a parte mais relevante e importante da música, ou seja o que tipicamente se chama a melodia/parte principal).

Não vou aqui mencionar nomes, mas reconheço que existem alguns bons executantes de “cavaquinho minhoto”, muitos influenciados directamente por Júlio Pereira, outros não tanto.

 

Que associações culturais ou outras que conhece ligadas à música onde o cavaquinho seja um interveniente de alguma forma? Quais?

A Associação Museu Cavaquinho. Tenho também conhecimento da existência de um grande número de grupos, talvez mais sociais do que propriamente musicais, concentrados em torno do “cavaquinho minhoto”.

 

Que repertório utiliza nos seus projetos em que inclui cavaquinho? Desenvolveu algum repertório original/arranjos para Cavaquinho Português? Pode por favor enumerar aqui? Pode também fornecer partituras ou áudio ou vídeo ou link de internet para estes elementos multimédia?

O meu repertório no “cavaquinho minhoto” baseia-se em arranjos de música tradicional/ popular incluindo muitos dos arranjos de Júlio Pereira e temas originais meus. No facebook “Cavaquinho rasgado” estão algumas amostras audio.

O pouco que toco no “machete / braguinha” só o uso em recitais comentados para demonstrar a diferença que existe entre instrumentos, incluindo por vezes também o “ukulele”.

 

Que técnicas utiliza no cavaquinho português? Quais das mesmas são as que utiliza com mais frequência? (No caso de ser investigador não tocador, que técnicas conhece e que são tipicamente atribuídas aos diferentes modelos?)

Utilizo quase sempre o rasgado melódico, por vezes apenas o harmónico a acompanhar a voz. Tenho também explorado alguns arpejos com polegar, indicador e médio. Como investigador conheço o uso de técnicas tipo guitarra clássica tanto no “cavaquinho minhoto” como no chamado “urbano” continental e “machete / braguinha”; a técnica do polegar nesses mesmos tetracórdios e ainda o uso de plectro, mas não no “machete / braguinha”. Para pontear Júlio Pereira usa a unha do indicador e eu já tenho feito experiências com a técnica da guitarra portuguesa (polegar / indicador) incluindo arpejos do fado de Lisboa.

 

Considera que o Cavaquinho Português é um instrumento levado suficientemente a “sério” nos diferentes meios musicais?

Parece-me que o “cavaquinho minhoto” só é levado a “sério” em raros casos de execução virtuosa, fora disso continua geralmente a ser visto como um instrumento “pobre”, “secundário”, “de folclore”. Em relação ao tipo “urbano” continental que agora tem vindo a ser alvo de algum interesse, em particular no meio académico, ele é ainda praticamente desconhecido do grande público. Já o “machete / braguinha” tem demonstrado o seu potencial “erudito” com base numa tradição oitocentista que muito cativa entusiastas não madeirenses.

 

Acha viável uma carreira de músico solista especializado e fazendo carreira apenas e só no cavaquinho português (sem necessitar de tocar mais nenhum instrumento)?

Parece-me improvável.

 

Quais as dificuldades que teve (ou acha que teria) ao tentar ser um músico solista de cavaquinho?

Nunca tentei.

 

Quais as facilidades e vantagens que considera ter (ou que pensa que teria) como músico solista de cavaquinho?

Instrumento pequeno fácil de transportar.

 

Considera que faz sentido explorar o cavaquinho português como instrumento solista? Porquê?

Explorar por explorar, penso que sim.

 

Que acha da utilização da nomenclatura Cavaquinho Português para de forma agregadora denominar e agrupar todos os modelos de cavaquinho português (modelo minhoto e diferentes modelos urbanos do continente e ilhas)?

Penso que do ponto de vista cultural não devemos colocar os vários tetracórdios mencionados num mesmo “saco”, embora em termos estritamente organológicos possamos considerar o “urbano” continental e o “machete / braguinha” madeirense como reduções à oitava da “viola francesa” (“violão”) em versão tetracórdia, e, portanto, próximas do “cavaquinho original” (sexacórdio). Além disso, o “minhoto” é um instrumento que revela aspectos tanto culturais como organológicos muito diferentes, sendo chamado “cavaquinho” apenas por contaminação do “urbano”, pois é instrumento de criação mais recente, redução à oitava da “viola” dita “braguesa”.

 

Como vê o futuro do cavaquinho português enquanto instrumento solista?

O “cavaquinho minhoto” terá por certo futuro, tanto como atributo de virtuosos como nas mãos de amadores. O “urbano” continental que agora está a ser “revisitado”, poderá talvez em breve alcançar alguma projecção momentânea como instrumento histórico. O “machete / braguinha” deverá cada vez mais apelar a não portugueses, pela sua suposta ligação ao “ukulele”

 

Que projetos tem para o futuro no que diz respeito ao cavaquinho Português?

Ensinar mais, tocar mais, compôr mais. Gostaria de ver publicados estudos recentes sobre o tema “cavaquinho”.

 

Que assuntos gostaria de ver estudados sobre o cavaquinho português?

Seria interessante fazer um levantamento (audio-visual, esquemático) o mais exaustivo possível sobre os tipos de rasgados usados no “cavaquinho minhoto”. E o mesmo em relação aos aspectos construtivos (medidas, métodos) dos exemplares mais antigos sobreviventes também dos tipos “urbano” continental e “machete / braguinha”.

 

Que sugestões tem para dar?

Sei que seria trabalhoso e fastidioso, mas há uma grande necessidade de pesquisar nos arquivos portugueses sobre a presença de pequenos cordofones de mão e os contextos em que estes ocorrem ao longo dos séculos, para que a tempo se venham a esclarecer certos ideais aglutinados à volta do conceito “cavaquinho”. Proponho também que se fomente o debate aberto e saudável entre investigadores dedicados, para que se possa informar convenientemente a comunidade de aficionados e o público em geral, do que realmente se conhece sobre os referidos instrumentos.

 

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