Entrevistas Paulo Bastos - Mestrado

Entrevista – Paulo Bastos – 01/09/2021

NOME: Paulo Bastos

RESIDÊNCIA: Póvoa do Loureiro – Coimbra

NATURALIDADE: Coimbra

 

1 Que modelo(s) de cavaquinho toca/estuda? que afinações?
  1. No Modelo Rural Minhoto utilizo predominantemente a afinação Ré-Si-Sol-Sol (DBGG), uso também, com menos frequência, a afinação Mi-Si-La-Re(8ª) (EBAD) com afinação reentrante ou seja 4ª corda mais aguda do que a 3ª.
  2. No Modelo Urbano Oitocentista/machete, afinação Ré-Si-Sol-Re (DBGD)
  3. No Modelo Urbano Lisboa/Porto (da segunda metade Sec. XIX), afinação em quintas, exatamente como violino e bandolim: Mi-La-Re-Sol (EADG). Esta afinação abre um leque de possibilidades em termos de repertório: permitindo que se possa tocar de forma praticamente imediata no cavaquinho todo um repertório já existente com séculos de tradição da música escrita para violino e para bandolim (instrumentos com mesmo número de cordas, afinação e dimensões semelhantes).

Tanto nos modelos de cavaquinho português referidos no ponto 1 como no 3 acima, não coloco de parte a possibilidade de utilizar a afinação Mi-Si-Sol-Re (EBGD) igual à afinação das 4 primeiras cordas da viola (guitarra clássica). Esta é também uma afinação bastante versátil (quer em termos melódicos quer harmónicos) e por isso permite igualmente alargar as possibilidades de execução de repertório originalmente proveniente da escrita para outros instrumentos. Esta afinação tem ainda a vantagem de facilitar o conhecimento da escala e acordes para quem já toca viola.

Como músico multi-instrumentista, apreciador e explorador das especificidades de cada instrumento, tenho preferência pelas afinações menos comuns em outros instrumentos, tais como: DBGG que só conheço no cavaquinho, EBAD e DBGD também menos usadas em outros instrumentos. Por este simples fato, de serem menos comuns, estas afinações oferecem uma sonoridade característica ao cavaquinho mais difícil de encontrar em outros instrumentos e como tal conferem-lhe mais identidade/unicidade quer na sua sonoridade quer na forma de compor para o instrumento. Se o compositor, na exploração dos motivos melódicos e harmônicos, optar por explorar as facilidades naturais que a afinação oferece, ao invés de compor como se compõe para outro qualquer instrumento, esta escolha por si só vai automaticamente fazer com que o cavaquinho tenha uma sonoridade e linguagem musical muito própria delimitada pela sua própria afinação.

 

2 Há quanto tempo toca/estuda o cavaquinho? Como é que tudo começou? (pequena biografia no que diz respeito/orientada ao cavaquinho) 

Sou um músico multi-instrumentista, produtor, arranjador, cantor, maestro e compositor que desde tenra idade (11 Anos), fiz parte de muitas e variadas formações de Música Erudita, Pop/Rock, Música Tradicional e Jazz, onde fui sempre tentando incorporar o cavaquinho..

O meu primeiro contato com cavaquinho foi há cerca de 30 anos atrás, através da audição da música das tunas de Coimbra, que foram assim a inspiração para a aquisição do meu primeiro cavaquinho, que fui explorando nessa fase numa abordagem autodidata, incorporando-o já nos concertos ao vivo dos grupos onde tocava na altura.

Em 2015, editei o Álbum “Desafio” a solo, onde inclui o cavaquinho português (modelo rural minhoto) em praticamente todos os temas, alguns dos quais sendo peças instrumentais integralmente concebidas para cavaquinho solo.

Para além do curso complementar do conservatório, e frequência do curso superior de Ensino de Música (ambos em guitarra clássica), conclui em 2018 o pioneiro e inédito Mestrado em Música Performance no instrumento Cavaquinho Português na Universidade de Aveiro com orientação técnica no instrumento pelo Professor Pedro Caldeira Cabral e orientação do Dr. Paulo Rodrigues (a respetiva dissertação pode ser encontrada no meu website oficial http://www.paulobastos.com). 

No âmbito deste meu mestrado, criei o portal de internet http://cavaquinhoperformance.com dedicado ao cavaquinho enquanto instrumento solista/performativo. Aqui partilho entrevistas com tocadores (solistas), informação diversificada relacionada com o instrumento incluindo o levantamento que fiz de repertório existente.

A minha peça musical O Caminho do Moleiro escrita para cavaquinho português modelo urbano solo foi uma das 5 nomeadas na categoria de MELHOR MÚSICA ACÚSTICA nos 18th The Independent Music Awards (ano 2020) , evento internacional que se realiza anualmente em “New York” (Estados Unidos), sendo nomeada de entre 119 países concorrentes e através de um júri de seleção com nomes como: Tom Waits, Keith Richards, Beth Gibbons, Buddy Guy, Norah Jones, Tori Amos, Chris Thile, Joe Satriani 

 

3 O que o fascina no cavaquinho português particularmente? O que o faz apreciar e escolher o instrumento como objeto de estudo ou para se exprimir artisticamente? 
  1. A sua portabilidade, o fato de ser pequeno permite levá-lo para qualquer lado, sem praticamente qualquer problema logístico, permitindo tê-lo sempre à mão.
  2. A sua versatilidade, permite uma abordagem musical: 
    1. Melódica (tocar linhas puramente melódicas), 
    2. Harmónica (servir como instrumento de acompanhamento para o canto ou outro qualquer instrumento ou formação) 
    3. Mista: harmónica e melódica em simultâneo, fazendo melodia e acompanhamento em simultâneo
  3. O seu Som: em todos os seus modelos tem um som agudo que por isso se destaca naturalmente sendo como tal um instrumento solista por natureza.
  4. A sua unicidade, identidade, “personalidade” provenientes sobretudo da sua:
    1. história e contextos performativos
    2. das especificidades das suas afinações 
    3. das técnicas de execução nos diferentes modelos (sobretudo da mão direita) desenvolvidas ao longo do tempo tirando por vezes partido das suas características específicas ao nível da sua construção/orgonomia.

 

4 Quais as suas referências e influências musicais mais importantes na abordagem ao cavaquinho? E qual a sua importância? 

As minhas influências são muitas e podem ver-se em mais detalhe no levantamento de bibliografia que fiz na minha dissertação de mestrado. Sendo eu um musico multi instrumentista com experiência em diversos géneros musicais, vou beber de influências a todos esses universos a todos os níveis, musical (ao nível da execução e composição), técnico, performativo e de repertório. Sempre com um maior ênfase no mundo da guitarra (clássica e eléctrica).

Tenho referencias no cavaquinho portugues mas também em instrumentos descendentes ou similares provenientes de outras culturas onde me inspiro na minha abordagem aos diferentes modelos de cavaquinho português.

De forma resumida posso aqui destacar algumas referências provenientes diretamente do mundo do cavaquinho português: Pedro Caldeira Cabral, Bernardino da Silva, Júlio Pereira e Amadeu Magalhães que foram referências para análise e estudo a nível técnico, performativo e de repertório. No caso de Pedro Caldeira Cabral adicionalmente também a nível de todo o contexto histórico e de construção do instrumento.

Influências indiretas de outros instrumentos que vieram, no entanto, influenciar a forma como vejo e abordo o cavaquinho português, sobretudo a nível de técnicas e repertório, temos provenientes do:

  1. ukulele: James Hill, John king, Ota San, 
  2. cavaquinho brasileiro: Waldir Azevedo e Henrique Cazes, 
  3. cavaquinho cabo verdiano: Bau
  4. balalaica, (um instrumento semelhante em dimensão e número de cordas): destaco a influência do trabalho técnico e a nível de repertório do solista Alexei Atkhipovskiy
  5. bandolim: as técnicas e repertório de bandolinistas solistas como Bernardo de Pace podem também ser inspiradoras, bem como todo o repertório tocado em bandolim a solo por Giuseppe Anedda, Chris Thile ou Hamilton de Holanda.
  6. violino: Paganini

 

5 Que outros instrumentistas/tocadores solistas de cavaquinho conhece que considera relevantes? (Entenda-se como solista o instrumentista SOLISTA que faz um concerto do início ao fim em que o Cavaquinho é o ponto central/solista ou o instrumentista que tenha editado/gravado um ou mais CDs em que o cavaquinho é o ponto central/solista em todas as músicas ou quase na totalidade delas (quando se refere ponto central/solista pretende-se dizer instrumento que toca a solo sozinho ou que tocando em grupo faz a parte mais relevante e importante da música, ou seja o que tipicamente se chama a melodia/parte principal). 

Sendo que a minha dissertação de mestrado tem como título “Cavaquinho Português em Performance Solo”, nela se encontra um detalhado levantamento daquilo que considerei serem  solistas de cavaquinho português (mediante um critério que também se encontra lá explicado/detalhado). Estão ainda, lá registadas entrevistas completas com cada um desses solistas (a falarem na primeira pessoa em aspetos técnicos, de repertório, de contextos performativos, etc). Portanto diria que a nível de cavaquinho português esses serão os mais relevantes em termos de solistas, eventualmente existirão outros, ainda porque esta lista estará em constante mutação ao longo do tempo, mas diria que a grande maioria estará lá.

Quanto a outros cavaquinhos (não portugueses) também se encontra na dissertação um levantamento dos nomes que considero mais relevantes, para além dos que já mencionei na questão anterior.

 

6 Que associações culturais ou outras que conhece ligadas à música onde o cavaquinho seja um interveniente de alguma forma? Quais? 

Confesso que nunca fui muito ligado ao longo da vida a associações culturais ligadas especificamente ao cavaquinho português, não me recordo de nenhum contacto com nenhuma em particular. A não ser mais recentemente com a associação museu cavaquinho (http://www.cavaquinhos.pt) uma excelente fonte de informação e de atividades em volta do cavaquinho.

Uma vez que uma necessidade do meu mestrado era saber quais as fontes onde poderia eventualmente ir obter informações diversas sobre cavaquinho, fazer um levantamento das associações seria importante daí esta pergunta ter sido incorporada nas minhas já referidas entrevistas aos solistas. Na dissertação podem ser encontradas as diferentes respostas.

 

7 Que repertório utiliza nos seus projetos em que inclui cavaquinho? Desenvolveu algum repertório original/arranjos para Cavaquinho Português? Pode por favor enumerar aqui? Pode também fornecer partituras ou áudio ou vídeo ou link de internet para estes elementos multimédia? 

Do meu repertório fazem parte arranjos meus de temas tradicionais, peças originais, transcrições de peças provenientes do repertório da música erudita e peças de outros tocadores. 

Segue abaixo lista de repertório tocado a solo, bem como qual o modelo de cavaquinho em que é tocada cada peça e respectiva afinação utilizada.

No portal cavaquinhoperformance.com (http://cavaquinhoperformance.com/repertorio-lista secção repertório pesquisando por Paulo Bastos) pode-se encontrar links para vídeos e partituras da maioria destes temas:

Rural/Minhoto (DBGG)

  1. Arco Íris (Paulo Bastos)
  2. Rosinha (Tradicional Português, Arranjo e nova técnica: Paulo Bastos)
  3. Toma lá dá cá  (Tradicional Português, Arranjo: Paulo Bastos)
  4. Regadinho (Tradicional Português, Arranjo: Paulo Bastos)
  5. Variações Sobre Rumelaj (Tema: Tradicional Macedónia, variações e Arranjo: Paulo Bastos)

Rural/Minhoto (EBAD)

  1. Meu Cavaquinho (Tradicional Português, arranjo Bernardino da Silva)
  2. Malhão  (Tradicional Português, arranjo Bernardino da Silva)
  3. Laurindinha (Tradicional Português, arranjo Paulo Bastos com técnica de Bernardino da Silva)

Urbano Lisboa e Porto (EADG)

  1. Sonata em RéM para Bandolim (Gervasio) – 3 andamentos

Urbano (DBGD)

  1. O Caminho do Moleiro (Paulo Bastos) – peça nomeada para melhor música acústica de 2020 pelos Independent Music Awards.
  2. Dan Ça Con Cordas? (Paulo Bastos – Raízes no Ar)
  3. Brisa (Paulo Bastos – Raízes no Ar)
  4. Choro de Copo Cheio (Paulo Bastos – Raízes no Ar)
  5. Eu Estou Aqui – Canção de Embalar (Paulo Bastos – Raízes no Ar)
  6. Concerto de Vivaldi em Ré M para alaúde (A. Vivaldi) – 3 andamentos

Urbano / Cavaquinho Brasileiro (DBGD)

  1. Brasileirinho (Waldir Azevedo)

Peça para 3 cavaquinhos: Urbano (DBGD) / Urbano Lisboa e Porto (EADG) / Rural/Minhoto (DBGG)

  1. Trindade – Ciclos de um Carrocel Parisiense  (Paulo Bastos – Raízes no Ar)

 

Para além destas peças para cavaquinho solo, no meu CD Desafio (https://open.spotify.com/album/5kwU9SoMSKHjyKEtvqHSyI) praticamente todos os temas têm intervenção do cavaquinho modelo rural minhoto como instrumento de acompanhamento nos respetivos arranjos.

Também no início do meu percurso no cavaquinho fui tocando diversos temas das tunas/estudantina de Coimbra no cavaquinho português modelo rural minhoto (DBGG), neste caso em particular  utilizando-o sobre tudo como instrumento de acompanhamento da voz.

Recentemente no meu projeto “baile para cavaquinho solo”, toco outros temas do repertório das danças do mundo em cavaquinho solo, neste caso nos modelos urbano/oitocentista (DBGD) e rural minhoto para as danças portuguesas (DBGG).

 

8 Que técnicas utiliza no cavaquinho português? Quais das mesmas são as que utiliza com mais frequência? (No caso de ser investigador não tocador, que técnicas conhece e que são tipicamente atribuídas aos diferentes modelos?) 

MÃO DIREITA

  1. No modelo Rural/Minhoto (DBGG ou EBAD)
    1. Utilização de dois dedos da mão direita (p, i ou p, m) para obter a sonoridade de Rasgado (varejado ou varejo). onde a maioria das vezes a melodia e acompanhamento são executados em simultâneo.
    2. Dedilhado – Utilização de 2 ou mais dedos da mão direita sequencialmente ou em simultâneo para pulsar as cordas.
    3. Técnica de Palheta / plectro – ainda que com menos frequência neste modelo de cavaquinho, por vezes também utilizo a palheta na mão direita em certo tipo de projectos mais exigentes a nível de força/volume sonoro, quer para acompanhar apenas, quer para execução de linhas melódicas (para obter o efeito sonoro de ponteado), quer mesmo para fazer solo e acompanhamento em simultâneo com uma sonoridade de Rasgado (varejado ou varejo).
  2. No modelo Oitocentista/Machete (EADG)
    1. Técnica de Polegar – uma técnica de mão direita em que se utiliza apenas e só o dedo polegar para pulsar as cordas, normalmente em movimento alternado de vai e vem (para baixo e para cima), podendo este pressionar apenas uma corda de cada vez ou várias num só ataque. Neste modelo utilizo essencialmente apenas esta técnica.
  3. No modelo Urbano Lisboa e Porto (EADG)
    1. Técnica de Palheta / plectro – técnica de mão direita em que se utiliza apenas e só uma palheta / plectro, nessa mesma mão, para pulsar as cordas, normalmente em movimento alternado de vai e vem (para baixo e para cima).

 

MÃO ESQUERDA

Na mão esquerda utilizo as técnicas típicas utilizadas em instrumentos de corda, nesta mão não há grandes diferenças em relação a outros instrumentos.

O facto específico do cavaquinho ter uma escala com trastes muito próximos permite no entanto utilizar os 4 dedos da mão esquerda para tocar numa só corda quatro notas consecutivas e adjacentes sem necessitar de mudar de posição, ou seja permite criar padrões de 4 notas por corda numa mesma posição (tal como violino), enquanto na viola (guitarra clássica) se utiliza-se maioritariamente padrões de 3 notas por corda.

Utilizo técnicas combinadas de mão esquerda e direita adaptadas de outros instrumentos de corda, algumas das quais que desenvolvi no âmbito do meu estudo na guitarra clássica (viola) e guitarra eléctrica por exemplo: 

  1. ligados ascendentes e descendentes – apenas com um ataque de mão direita na corda para dar primeira nota, criando o som de uma ou mais notas seguintes sem mais ataques de mão direita mas antes através da articulação dos dedos da mão esquerda de forma a serem agora estes pulsarem o som da corda, para além de se posicionarem nos trastes referentes às notas que se pretendem obter. Resumindo o mesmo dedo que carrega num determinado traste para dar uma nota é utilizado seguidamente para pulsar a corda no ataque da nota seguinte.
  2. harmônicos naturais e oitavados – aflorar as cordas com mão esquerda e pulsando-as com mão direita nos trastes referentes aos harmónicos naturais ou no caso dos harmónicos oitavados pressionar com mão esquerda nota pretendida e aflorar e pulsar em simultâneo com mão direita no traste da mesma nota uma oitava acima.
  3. tappings” – utilização de mão esquerda com técnica de ligados ascendentes e/ou descendentes, adicionando, a mão direita com técnica similar de pressionar > pulsar corda para estender âmbito dos ligados.
  4. sweeping” – resvalar por várias cordas com mão direita (palheta ou dedo polegar) em um dos sentidos (ascendente ou descendente) ou alternadamente nos dois sentidos, com mão esquerda simultaneamente a ir acompanhando esse movimento pressionando em cada corda as notas pretendidas (podendo ainda adicionalmente serem acrescentados ligados na mão esquerda para aumentar número de ataques por corda).
  5. mute” – Consiste em abafar o som das cordas com palma da mão em suave repouso ligeiramente à frente  do cavalete ao mesmo tempo que se pulsa(m) a(s) corda(s) com os dedos ou palheta

 

9 Considera que o Cavaquinho Português é um instrumento levado suficientemente a “sério” nos diferentes meios musicais? 

Sinceramente não considero, oiço pessoas a dizerem coisas do género “.. começas no cavaquinho para iniciar, depois mudas para guitarra …”, ou seja o cavaquinho é um instrumento para brincar, para se iniciar mas não para fazer música a sério, ou fazer carreira com ele!!!

Vejo essa desvalorização também claramente em pequenos detalhes das interações que tenho no âmbito dos diferentes projetos que vou tendo nos diferentes estilos musicais por onde me movo. 

Ainda mais nos meios da música escrita/erudita onde o cavaquinho português não tem os séculos de tradição, de repertório diverso e originalmente escrito para ele, logo onde é difícil argumentar a sua relevância ao lado de instrumentos com séculos de diversificação, sistematização e melhoramento constante de práticas performativas, técnicas e repertório ao longo do tempo como por exemplo o violino o piano ou até mesmo o bandolim.

Acredito que o meu mestrado possa ter contribuído de alguma forma para mudar um pouco esse preconceito, sem sentido a meu ver, uma vez que o instrumento, tal como qualquer outro, é ilimitado dentro dos limites impostos pela sua identidade específica (mais uma vez como qualquer outro instrumento).

Pode ir beber às práticas, técnicas e repertórios de outros instrumentos e para além disso tem todo um infinito mundo de possibilidades, precisa no entanto que hajam novos bons compositores que começem a compor originalmente para ele.

 

10 Acha viável uma carreira de músico solista especializado e fazendo carreira apenas e só no cavaquinho português (sem necessitar de tocar mais nenhum instrumento)? 

Acho viável pois o instrumento em si é como qualquer outro (com potencial ilimitado), para além de que sendo um instrumento ligado à tradição e à identidade especificamente portuguesa, terá todas as vantagens para dar origem ou entrar em projetos financeiramente viáveis, já que sendo atualmente um instrumento icónico português, facilitará eventualmente a obtenção de fundos e oportunidades provenientes quer da área da cultura quer da área turística. 

Além disso é um instrumento com uma sonoridade diferente e sendo associado à música tradicional portuguesa, terá um grande potencial no mercado da música do mundo e como tal um elevado potencial de internacionalização. 

Pode ainda dados as suas características únicas ser utilizado como um elemento diferenciador ou emblemático na área da performance artística contemporânea.

No entanto, apesar de tudo isto, já duvido é que hajam pessoas com coragem suficiente para, perante o preconceito em relação ao instrumento, decidirem que este é o seu instrumento principal e que vão dedicar anos da sua vida unicamente a desenvolver-se e a estudar neste instrumento, como por exemplo fazer uma licenciatura, um mestrado ou um doutoramento neste instrumento em vez de ir para violino ou piano…

 

11 Quais as dificuldades que teve (ou acha que teria) ao tentar ser um músico solista de cavaquinho? 

Tive dificuldade em conseguir fazer o mestrado no instrumento (por vários motivos que não vou estar a detalhar), levou 2 anos desde que desafiei a Universidade de Aveiro a fazer este mestrado em Música Performance, neste instrumento específico, até ele se realizar efetivamente. No entanto, agora depois do meu mestrado, e uma vez desbravado o caminho, qualquer outro candidato já não terá esse problema.

Fora essa dificuldade tocar o instrumento só me traz mais oportunidades, mais facilidade em ser criativo e diferenciador ao compor música, bem como a ter resultados mais autênticos na criação artística em geral e parcerias com outros artistas de outras áreas.

 

12 Quais as facilidades e vantagens que considera ter (ou que pensa que teria) como músico solista de cavaquinho? 

Vantagens as mencionadas atrás relacionadas com facilidade de enquadramento em quadros de retorno financeiros relacionados com a cultura portuguesa, turismo e internacionalização. Outra vantagem é que existem muito poucos tocadores solistas, o que por si mesmo é uma oportunidade para mais facilmente me poder afirmar/destacar. No entanto  por outros lado o existirem poucos tocadores é também uma desvantagem já que faz com que não esteja estabelecida uma prática reconhecida pela população com nome/reputação que os faça deslocar a espetáculos de cavaquinho solo…

 

13 Considera que faz sentido explorar o cavaquinho português como instrumento solista? Porquê? 

Sim pelos motivos expostos já atrás relativamente a seu potencial enquanto instrumento com sonoridade muito própria.

 

14 Que acha da utilização da nomenclatura Cavaquinho Português para de forma agregadora denominar e agrupar todos os modelos de cavaquinho português (modelo minhoto e diferentes modelos urbanos do continente e ilhas)? 

Acho boa ideia uma vez que existe um leque variado de instrumentos semelhantes fisicamente é necessário estudá-los em conjunto para poder depois entender as suas diferenças. Chamar a este grupo/tipologia de instrumentos cavaquinho português parece-me adequado já que é um termo genérico o suficiente e ao mesmo tempo delimita bem o que se pretende agrupar. No documento da minha dissertação tenho mais detalhado sobre o porquê do uso deste termo desta forma agregadora.

 

15 Como vê o futuro do cavaquinho português enquanto instrumento solista? 

Com o surgimento da associação museu cavaquinho e o lançamento dos dois álbuns do Julio Pereira de cavaquinho português houve uma onda de interesse maior pelo instrumento, mas que se desvaneceu com o tempo … um homem só não conseguirá manter uma onda…

Reparei também que aquando do meu mestrado na Universidade de Aveiro em Cavaquinho Português, houve também uma onda de interesse no instrumento, pude presenciar algumas candidaturas para novos mestrados no instrumento mas que, por um ou outro motivo, acabaram também por morrer, mais uma vez a “onda” desvaneceu…

Sem um plano consistente, constante e mobilizador, sólidos alicerces, com um leque core de pessoas apaixonadas pelo assunto 100% envolvidas, com um plano e meios financeiros que permitam que as mesmas se dediquem ao instrumento a tempo inteiro, nas diferentes frentes: quer na sua prática, quer no seu estudo histórico, quer na sua divulgação e promoção, eventualmente acaba por se desvanecer o interesse pelo instrumento no que diz respeito a uma abordagem mais séria, perdendo-se assim esta oportunidade, continuando desta forma o instrumento a ser utilizado um pouco por todo o país (sendo um dos instrumentos mais tocados pelos portugueses em todo o território) mas utilizado apenas para meras brincadeiras.

 

16 Que projetos tem para o futuro no que diz respeito ao cavaquinho Português? 
  1. Manter portal que criei especificamente para o cavaquinho cavaquinhoperformance.com 
  2. CD Livro Cavaquinho Performance Volume 1: “Dançar com o Tempo” Edição de CD com Peças tocadas, nos exames de música de conjunto I e II e cadeira de instrumento. Livro com enquadramento e contexto histórico do cavaquinho bem como publicação das pautas com as minhas transcrições e digitações utilizadas.
  3. CD Livro Cavaquinho Performance Volume 2: “Raízes no Ar” Edição de CD com peças tocadas, na “performance” relativa ao projeto final de mestrado “Raízes no Ar”. Livro com história da personagem criada para a “performance”, contexto histórico do cavaquinho bem como publicação das pautas com as minhas transcrições e digitações utilizadas.
  4. Festival “Cavaquinho Performance” Tentativa de organização de festival com base no portal de internet “cavaquinhoperformance.com” (portal criado no âmbito de meu mestrado). Com o objetivo de promover e divulgar o instrumento em termos de “performance” dando especial foco ao cavaquinho como instrumento solista.

 

17 Que assuntos gostaria de ver estudados sobre o cavaquinho português? 

Continuação do estudo que iniciei no meu mestrado, por outras pessoas, com outras visões. Estudo a vários níveis:

  1. Contexto histórico e performativo do instrumento, 
  2. Repertório continuando a:
    1. criar e tocar novas composições, 
    2. tocar repertório proveniente de outros instrumentos 
    3. descobrir e tocar repertório originalmente escrito para cavaquinho português
  3. Criação de projetos musicais performativos utilizando o instrumento se possível transversalmente  em diferentes gêneros musicais (música erudita, jazz, pop, rock, tradicional…).
  4. Cruzamento do instrumento com outros mundos artísticos contemporâneos através de parcerias e projetos transdisciplinares
  5. Estudos e experiências sobre a construção do instrumento com base na sua história mas também conciliando com novas inovações com base nas necessidades atuais dos músicos/instrumentistas.

 

18 Que sugestões tem para dar? 

Que haja continuação do estudo do cavaquinho nos moldes acima referidos e ao mesmo tempo que se crie a plataforma de investigação/incentivo/promoção, que já referi, um alicerce capaz de manter uma “onda” consistente de abordagem ao instrumento de forma sólida, coerente e com frutos no futuro.

 

19 Conhece o portal Cavaquinho Performance (http://cavaquinhoperformance.com)? Que acha da ideia do portal? Tem sugestões? 

Acho a ideia do portal boa, uma vez que fui eu que o criei… 

Este portal online pretende ser uma fonte centralizada e atualizada de divulgação e consulta de informação diversificada sobre o cavaquinho no seu contexto performativo e artístico, com um particular foco e interesse numa perspectiva do cavaquinho como instrumento solista. 

O Objectivo é ter portanto um local centralizado onde todos possam fornecer e consultar informação sobre o cavaquinho em termos da sua performance, vai permitir que o instrumento se possa desenvolver neste contexto de forma mais rápida e eficaz.

Com a missão de recolher e listar repertório para cavaquinho solo, divulgar projectos solistas, fornecer informação sobre investigação feita no âmbito dos diferentes contextos: histórico, etnográfico e performativo. Fornecer lista de referências para ser base e ponto de partida para novos projectos. Divulgar eventos, promover discussão construtiva de tudo o que for publicado

Precisa de mais pessoas envolvidas, colaboradores/editores que queriam colocar artigos e conteúdos com regularidade e que seja um ponto de união de todos os tocadores de cavaquinho, com comentários e envolvimento regular de todos os solistas e apaixonados pelo cavaquinho português, para estar vivo e ativo e servir assim o seu propósito. 

 

20 Já tinha conhecimento da existência deste meu mestrado (primeiro a nível nacional) em “Música Performance no Cavaquinho Português” na Universidade de Aveiro? Conhece o portal “Raízes no Ar” (http://raizesnoar.com) portal do projeto artístico final que estou a desenvolver?

Sim tinha

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