Entrevistas Paulo Bastos - Mestrado

Entrevista – Paulo Esteireiro – 24/04/2018

Foto por Bruno Santos

Foto por Bruno Santos
NOME: Paulo Esteireiro

NATURALIDADE: Lisboa

MORADA: Funchal

 

Que modelo(s) de cavaquinho toca? E com que afinações?

Toco um braguinha da Ilha da Madeira, construído pelo violeiro Carlos Jorge Rodrigues, com a afinação Ré-Si-Sol-Ré (do agudo para o grave).

 

Há quanto tempo toca cavaquinho? Como é que tudo começou? (pequena biografia no que diz respeito/orientada ao cavaquinho)

Comecei a tocar braguinha sensivelmente em 2005, pouco depois de vir residir para a Madeira por motivos familiares. Nessa altura deixei a Escola Superior de Educação de Bragança, onde trabalhava, e encontrei trabalho na Madeira, no então designado Gabinete Coordenador de Educação Artística, onde percebi que ensinavam instrumentos tradicionais, entre os quais o braguinha. Por ter sido aluno e professor de guitarra clássica, fiquei especialmente fascinado pelo livro editado pelo Prof. Manuel Morais, com obras do século XIX de Candido Drumond de Vasconcelos e pelo virtuosismo dos professores Roberto Moritz e Roberto Moniz. Conheci então o construtor Carlos Jorge Pereira e encomendei-lhe um braguinha. Logo nesse ano, tive um convite do Rui Camacho, presidente da Associação Musical e Cultural Xarabanda, para compor para este instrumento. Fui fazendo composições e explorando o potencial do braguinha e, anos mais tarde, acabei por editar um livro de partituras com CD, como forma de contributo pessoal para a renovação do repertório deste instrumento (10 Novas Composições para braguinha). Como consegui financiamento para o livro através de uma campanha de crowdfunding e fiz alguns vídeos com peças desse livro, acabei por ter um sucesso um pouco maior do que estava à espera e recebi contactos do Brasil, França, Suiça, Inglaterra, Estados Unidos e de várias localidades de Portugal. Isso incentivou-me para fazer mais peças originais e arranjos, tendo acabado por publicar nos últimos anos mais dois livros de partituras com CD (10 Danças para braguinha e 10 Peças Clássicas para braguinha). Os livros têm tido uma recetividade simpática e tenho recebido algumas boas críticas, pela qualidade geral dos livros. Como não sou músico de profissão, recebi estes feedbacks positivos com agrado, particularmente os convites que acabei por ter para atuar em alguns eventos.

 

O que o fascina no cavaquinho português particularmente? O que o faz apreciar e escolher o instrumento para se exprimir artisticamente?

Tendo dedicado parte importante da minha vida à guitarra clássica, o braguinha aparece como uma pequena guitarra soprano muito atrativa. É um instrumento que se presta muito bem à realização de melodias e frases solísticas, sendo especialmente desafiador procurar criar texturas harmónicas num instrumento com apenas quatro cordas. Além disso, aquele fascínio que uma caixa de música tem sobre nós, é o mesmo que o braguinha exerce em mim. A ausência de sonoridades graves e a delicadeza dos médios e agudos, que caracteriza este instrumento, faz com que consiga criar ambientes sonoros quase mágicos na mão de bons tocadores. Depois, é também curiosa a reação das pessoas a este instrumento, quando veem alguém a tocar um repertório mais requintado e não popular. No geral, é notório o lado incrédulo por verem que este “brinquedo” faz música a sério.

 

Quais as suas referências e influenças musicais mais importantes na abordagem ao cavaquinho? E qual a sua importância?

As minhas referências vêm quase todas de fora da área do cavaquinho e do braguinha. Com excepção do músico Cândido Drumond de Vasconcelos, de quem toquei praticamente todas as peças conhecidas, nos primeiros anos que me dediquei ao instrumento, não tenho mais nenhum músico que me tenha inspirado nesta área. Dito isto, as minhas referências e influências vêm quase todas dos tempos em que estudei guitarra clássica, um pouco da área do jazz, a que me dediquei durante apenas alguns meses como curioso, e do domínio do pop/rock e do blues. Entre estes, sem dúvida que a influência da música clássica, particularmente ao nível melódico e de texturas musicais, é a referência mais importante. Depois, também gosto muito de teoria musical e os tratados sobre composição de melodias no século XIX, também tiveram uma grande influência em mim e isso nota-se principalmente nas minhas músicas originais.

 

Que outros instrumentistas/tocadores solistas de cavaquinho conhece que considera relevantes?

(Entenda-se como solista o instrumentista SOLISTA que faz um concerto do inicio ao fim em que o Cavaquinho é o ponto central/solista ou o instrumentista que tenha editado/gravado um ou mais CDs em que o cavaquinho é o ponto central/solista em todas as músicas ou quase na totalidade delas (quando se refere ponto central/solista pretende-se dizer instrumento que toca a solo sozinho ou que tocando em grupo faz a parte mais relevante e importante da música, ou seja o que tipicamente se chama a melodia/parte principal).

Depois de me dedicar ao braguinha, comecei a ver que havia um mundo musical muito interessante em redor do cavaquinho, que ia muito para além do famoso Júlio Pereira. Entre aqueles que mais me impressionaram encontram-se os músicos Amadeu Magalhães, Paulo Bastos, João Vila, Chico Gouveia, Daniel Pereira e Luís Peixoto. Ao nível da Madeira, os músicos Roberto Moritz, Roberto Moniz, Guilherme Órfão e André Santos, estes últimos a viver em Portugal continental.

 

Que associações conhece ligadas à música onde o cavaquinho seja um interveniente de alguma forma? Quais?

Na Madeira, destacam-se as associações Xarabanda, Flores de Maio e o Grupo de Folclore de Machico. Outros grupos de folclore também se dedicam ao braguinha. Salientei o de Machico, pelo grupo Machetes de Machim, onde o braguinha tem um papel importante.

 

Que repertório utiliza nos seus projetos em que inclui cavaquinho? Desenvolveu algum repertório original/arranjos para Cavaquinho Português? Pode por favor enumerar aqui? Pode também fornecer partituras ou áudio ou vídeo ou link de internet para estes elementos multimédia?

O repertório que utilizo é muito diversificado. Vai desde o clássico ao jazz, passando pelo pop-rock e o blues até ao tradicional. Tenho vários originais e arranjos que se encontram publicados em partitura e CD nos três livros acima citados. Os vídeos estão também disponíveis no canal youtube “Paulo Esteireiro”.

 

Que técnicas utiliza no cavaquinho português? Quais das mesmas são as que utiliza com mais frequência?

As técnicas que utilizo têm várias origens de acordo com o estilo musical. Naturalmente que utilizo muitas das técnicas que aprendi na guitarra clássica ao longo de anos (arpejos, tremolos, dedilhados vários, rasgueados, ligados, pizzicatos, harmónicos, etc.). Este é o meu “centro”. Depois exploro algumas coisas pontualmente da música popular (rasgados típicos e forma de pontear as melodias) e da guitarra elétrica (bends, slides, tappings, formas de abafar notas, etc.).

 

Considera que o Cavaquinho Português é um instrumento levado suficientemente a “sério” nos diferentes meios musicais?

Na Madeira o braguinha é um instrumento que começa a ser muito respeitado, principalmente entre as pessoas ligadas à cultura, devido à capacidade que os músicos tiveram de o ligar à identidade regional. No meio musical, alguns músicos também olham com muito carinho para este instrumento. Agora, naturalmente que não é um instrumento considerado ainda ao nível de um piano ou um violino, apesar de já ter sido integrado no Conservatório da Madeira e de já ter sido apresentado como solista com a Orquestra Clássica da Madeira (com o músico Roberto Moritz). Creio que acima de tudo faltam instrumentistas de grande qualidade que se imponham com um ou mais discos de sucesso, tal como fez o Júlio Pereira nos anos 1980s. E isso é muito difícil, porque a música instrumental está longe de figurar nos Tops comerciais.

 

Acha viável uma carreira de músico solista especializado e fazendo carreira apenas e só no cavaquinho português (sem necessitar de tocar mais nenhum instrumento)?

Creio que é possível, tal como noutros instrumentos, apesar de não ser fácil.

 

Quais as dificuldades que teve (ou acha que teria) ao tentar ser um músico solista de cavaquinho?

Não é um objetivo pessoal. Para quem queira ser solista sem ser em contexto de um grupo, creio que é preciso atingir um nível de virtuosismo muito elevado.

 

Quais as facilidades e vantagens que considera ter (ou que pensa que teria) como músico solista de cavaquinho?

A seu favor, terá o facto de ser um instrumento invulgar, que pode criar a diferença por aí. Além disso, a sua ligação ao ukulele também lhe dá um potencial de público relativamente grande.  De qualquer modo, acredito que a ligação ao canto é essencial, para um carreira musical e o braguinha adapta-se bem nesse meio, como é visível no caso do primo afastado, que é o ukulele.

 

Considera que faz sentido explorar o cavaquinho português como instrumento solista? Porquê?

Sim, claro. É um instrumento que consegue marcar pela diferença e que consegue captar o carinho e o entusiasmo do público.

 

Que acha da utilização da nomenclatura Cavaquinho português para de forma agregadora denominar e agrupar todos os modelos de cavaquinho português (modelo minhoto e diferentes modelos urbanos do continente e ilhas)?

Acho desnecessária, apesar de compreender o academismo da questão. Esse tipo de coisas não se decide por decreto. As pessoas dão o nome aos instrumentos por razões tradicionais e geográficas, sendo aceites ou não nas comunidades em que são utilizados. Não me parece ser necessário para nenhum contexto a criação de um nome artificial e vejo que isso é uma questão com que se gasta alguma energia neste contexto dos instrumentos tradicionais. Mesmo a designação de modelo urbano e de modelo rural é extremamente discutível e apenas porventura útil em contexto académico. Daqui a pouco, tendo em consideração que muitas vezes procura-se uma autenticidade conceptual, iremos todos decretar que o correto é chamar a este instrumento machete, como acontecia no século XVII e XVIII. Ninguém vai aceitar isso a nível popular. Agora, naturalmente que um brasileiro, um americano ou outro estrangeiro, irá referir-se a todos os cavaquinhos portugueses como o “cavaquinho português”, apesar da pluralidade e diferenças que temos neste domínio. E aí, faz sentido, numa comparação com o estrangeiro.

 

Como vê o futuro do cavaquinho português enquanto instrumento solista?

Creio que há um rejuvenescimento muito relevante, feito por uma geração informada e com competências musicais muito elevadas. Deste modo, creio que é possível haver um futuro risonho, desde que os instrumentistas assim o decidam e consigam ser criativos.

 

Que projetos tem para o futuro no que diz respeito ao cavaquinho Português?

Tenho um quarto livro de partituras com CD praticamente concluído, mas outros projetos têm-me afastado deste objetivo. Quem sabe em 2019 ou 2020 poderei voltar a dedicar-me a este projeto.

 

Que assuntos gostaria de ver estudados sobre o cavaquinho português?

Todos. Creio que apesar dos avanços feitos nesta área, ainda falta muito para estudar sobre a história deste instrumento, havendo ainda muitos mitos que circulam como sendo verdades absolutas. Além disso, faltam muitos métodos e livros com repertório.

 

Que sugestões tem para dar?

Creio que será necessário criar muitos livros com repertório para este instrumento (canções, solista, etc.). Em simultâneo, é importante realizar workshops para docentes e incluir este instrumento cada vez mais nas escolas. A Madeira é um bom exemplo, tendo todos os anos mais de 1000 alunos a tocar estes instrumentos nas escolas.

2 Responses

  1. Comecei a tocar Cavaquinho há 3 anos numa escola de música, estava e estou interessado num livro de musicas com acordes para Cavaquinho, a minha afinação é: Ré, Lá, Si e Mi, tem algo disponível?

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